sábado, 15 de dezembro de 2007
A Pequena Vendedora de Fósforos
Fazia um frio terrível; caia a neve e estava quase escuro; a noite descia - a última noite do ano.
No meio do frio e da escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.
Quando saiu de casa decerto trazia chinelos; mas de que adiantavam?
Eram uns chinelos enormes, e até então sua mãe os havia usado, tão grandes eram.
A menininha perdera - os quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.
Pensou poder usá-lo como berço, quando um dia tivesse filhos.
Depois disso a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio.
Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão. Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um tostão.
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!
Os flocos de neve cobriam-lhe os longos cabelos , que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, excepto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.
Suas mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha...
Que luz maravilhosa!
Na realidade parecia à menininha que ela estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.
Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo.
Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde ver a sala do outro lado.
Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve, e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar.
O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direcção, com a faca e o garfo espetados no peito! Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, húmida e fria.
Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal.
Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha estendeu a mão para os cartões, mas o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.
"Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois sua avozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela caía, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.
- Vovó! - exclamou a criança.
- Oh! leva-me contigo!
Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar!
Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal!
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida avó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.
A criança lá ficou, inteiriçada, um feixe inteiro de fósforos queimados.
- Queria aquecer-se - diziam os passantes.
E ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó, no dia do Ano¬ Novo.
Hans Christian Andersen
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