sexta-feira, 18 de abril de 2008
O Anão
Isabel ajoelhou-se no chão e com cuidado abriu a porta.
Aquilo que viu deixou-a imóvel, muda, com a boca aberta, com os olhos esbugalhados e as mãos erguidas e abertas no ar.
Durante alguns momentos o seu espanto foi tão grande que nem se podia mexer, nem podia pensar o que via.
Depois, devagar, esfregou os olhos. Abriu-os muito e murmurou:
— Estou a sonhar!
Em cima da cama estava deitado um verdadeiro anão
Esse anão dormia. E dormia tão profundamente que até ressonava. A sua cara era vermelha como um morango e as pontas da sua longa barba tocavam no chão.
No meio do seu espanto Isabel sentia uma grande alegria e uma grande ternura. Pensando bem parecia-lhe que durante toda a sua vida tinha estado sempre à espera daquele anão. Encontrá-lo agora, ali, era uma coisa muito extraordinária mas também muito simples.
Mediu-o com o olhar e calculou que ele devia ter exactamente um palmo de altura.
— Os anões ainda são mais pequenos do que eu imaginava — pensou ela.
Apetecia-lhe acordá-lo pois tinha a maior curiosidade de saber se ele falava e em que língua. Temia que existisse uma língua dos anões que ela não fosse capaz de entender. Pensou chamar baixinho por ele:
— Senhor anão!
Mas teve medo de o assustar. E resolveu esperar que ele acordasse.
Sem fazer nenhum barulho estendeu-se ao comprido no chão e apoiou a cara nas mãos. Era uma posição cómoda. Poderia ficar assim muito tempo a olhar enquanto ele continuasse a dormir.
O anão estava tapado com o cobertor mas a ponta das suas botas estava descoberta. A sua cara muito vermelha e cheia de pequeninas rugas tinha uma expressão ao mesmo tempo alegre e sisuda. Uma das mãos estava fora da roupa poisada sobre a barba e no dedo anelar brilhava um minúsculo anel de oiro.
Isabel não se cansava de olhar.
E pensava:
— Que coisa tão extraordinária! Fiz uma casa para um anão que não existia e o anão apareceu!
Mas o musgo do chão onde ela se tinha estendido estava ainda húmido do orvalho da noite e ao fim de dez minutos de contemplação Isabel deu um grande espirro.
Foi como se rebentasse um trovão.
O anão abriu os olhos e ao ver a cara de Isabel quase encostada à porta da sua casa ficou tão aterrorizado que rolou da cama abaixo.
— Não te assustes, não te assustes — implorou ela.
Mas ele com uma cara cada vez mais aflita saltou para o outro lado da cama.
— Eu não te faço mal nenhum, não tenhas medo de mim — pediu Isabel.
Mas o anão nem lhe respondeu.
Olhava à sua roda procurando um buraco por onde pudesse fugir. Mas ela tinha tapado com pedras e musgo todos os buracos. Daquela casa só se podia sair pela porta.
Vendo a aflição do homenzinho a rapariga começou a ficar também aflita. Não sabia o que havia de fazer para o sossegar.
Lembrou-se do pão com mel que ainda não tinha comido e que estava poisado no chão ao seu lado. Partiu um bocado muito pequeno e estendeu-o ao anão. Mas ele abanou a cabeça mostrando bem que a oferta não o interessava.
Isabel suspirou e depois de ter meditado um pouco fez-lhe este discurso:
— Anão, anão do meu coração! Não tenhas medo de mim. Eu não te quero fazer mal. Só te quero conhecer. Adoro anões. Passei a minha vida toda a pensar em anões. Quando eu era mais pequena passei tardes e tardes no parque, nos bosques e no pinhal à procura dum anão. Espreitava atrás das moitas e nos buracos das árvores. Mas nunca encontrei nenhum. Por fim, com grande desgosto, convenci-me de que os anões não existiam! Mas, agora, encontrei-te, tu existes e estamos aqui, um em frente do outro, agora, aqui. Mas tu tens medo de mim! Diz-me: que é que eu hei-de fazer para tu fazeres as pazes comigo e seres meu amigo?
— Deixa-me sair daqui — respondeu o anão.
A sua voz era pequena mas clara e bem timbrada.
— Ai! — exclamou Isabel — que bom! sabes falar a minha língua!
— Sei falar todas as línguas — respondeu o homenzinho com ar um tanto desconfiado.
— Eu só sei português e francês — disse Isabel. — Mas só tenho onze anos. Tu que idade tens?
— Trezentos anos.
— Que sorte! — exclamou Isabel cheia de admiração. — Deves saber muitas coisas.
— Os anões sabem sempre muitas coisas — disse ele.
— Então conta-me uma história — pediu Isabel.
Mas o anão abanou a cabeça e disse:
— Agora não. Só quando formos amigos.
“A Floresta”, Sophia de Mello Breyner Andresen
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